Você sabia que a lucratividade do seu negócio fotovoltaico pode ser comprometida pela escolha do regime tributário da empresa? Pois é. A escolha do regime tributário, assim como da forma de apuração dos impostos, pode ter impacto sobre o seu fluxo de caixa.
E, não adianta se basear nas escolhas feitas por outras empresas do mesmo mercado, ainda que elas atuem com os mesmos produtos e clientes.
Negócios fotovoltaicos podem ter regimes tributários diferentes e essa definição deve ser orientada por alguns pontos, como porte e nível de organização da empresa.
O momento de fazer a classificação de um negócio do setor também é importante. Você sabe o que é CNAE e como ele interfere na sua empresa?
Na entrevista a seguir, a contadora Angélica Freire responde a todas essas questões, destaca os principais regimes tributários praticados no país e fala sobre os impactos que essa decisão pode ter para o futuro de um negócio fotovoltaico.
Sebrae – Como o momento de enquadrar a empresa na Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) pode interferir no regime tributário de uma empresa de energia fotovoltaica?
Angélica Freire – Na hora que o empreendedor resolve constituir um negócio, ele tem que deixar muito claro para o contador ou advogado tributarista, aquele que for auxiliá-lo nessa constituição, qual vai ser, de fato, a atividade praticada.
Às vezes, isso é falado muito subjetivamente e o enquadramento na CNAE, que é o código de atividade, é feito de uma maneira que desconsidera outras classificações que podem representar um benefício tributário melhor.
Por exemplo: uma adequação de atividade para a empresa ser enquadrada nos anexos 3 ou 5 do Simples Nacional pode trazer muita relevância, representada por uma diferença tributária de até 10% praticando a mesma atividade.
É um cuidado que o empreendedor precisa ter. É lógico que estamos falando em ser muito coerente com aquilo que a empresa pratica de fato como atividade, com o objeto descrito no contrato social e aplicando a tributação correta.
São orientações que um tributarista ou um contador conseguem dar e que representam uma economia tributária considerável. Esse cuidado deve vir desde o momento em que uma pessoa pensa em empreender e não somente depois que a empresa já está constituída.
Sebrae – É possível refazer essa classificação do negócio, se for constatado que ela não é a adequada?
Angélica – Pode refazer. É possível realizar uma alteração contratual e emitir as notas fiscais da maneira correta. Só que dá muito trabalho.
Agora, um cuidado que é preciso ter é o seguinte: às vezes, é constituída uma atividade que pode ser impeditiva para o Simples Nacional e, especialmente para empresas que estão no início das atividades, esse pode ser o melhor regime.
É necessário, então, tomar cuidado para não classificar uma empresa em uma atividade que seja impeditiva, porque, depois, se for refazer o processo, não é possível voltar com a adesão ao Simples Nacional.
A adesão a esse regime só pode ser feita no momento da constituição da empresa, quando existe o prazo de 30 dias para aderir a ele; ou a cada início de ano, até 31 de janeiro. Somente nesses casos.
Sebrae – Esse planejamento, então, deve ser considerado tão importante quanto qualquer processo de constituição de uma empresa, não é?
Angélica – Alguns negócios chegam a ter uma rentabilidade entre 10 e 15%. Com um planejamento tributário, uma empresa pode conseguir uma economia tributária em torno de 10%. Então, a rentabilidade quase dobra, dependendo do segmento.
Há vários segmentos que ganham muito no giro e pouco na lucratividade. Dependendo do planejamento tributário, isso pode representar, inclusive, a sobrevivência do próprio negócio, porque uma carga tributária muito alta acaba consumindo toda a lucratividade.
Sebrae – Em relação à tributação, é melhor faturar uma nota toda pela empresa ou apenas uma parte e a outra ficar a cargo de um distribuidor de equipamentos?
Angélica – Não existe uma regra para isso também. Um integrador tem a opção de comprar equipamentos e faturar direto para o cliente final, considerando a tratativa como uma revenda, ou só faturar o serviço, deixando o distribuidor faturar direto aquilo que cabe a ele.
Quando a movimentação é muito grande e o integrador consegue um preço para comprar um volume maior de equipamentos, é mais vantajoso perante o distribuidor.
Se ele compra para revender e joga essa operação dentro do regime tributário, para o cliente final, essa operação se torna mais vantajosa, porque ele está negociando com o integrador e comprando o kit fotovoltaico com ele, que vai ser o responsável pela entrega e instalação dos equipamentos. Nesse caso, não há nenhuma relação com o distribuidor.
Porém, o integrador precisa tomar cuidado para não acabar pagando uma bitributação. Suponhamos que uma empresa compre um kit fotovoltaico por R$ 100 mil e pague todos os impostos sobre ele, que já estão embutidos no preço.
A empresa vende o kit para o cliente por R$ 120 mil, mas, nessa situação, pode acabar pagando imposto sobre essa operação também. No Lucro Real, ela pagaria apenas sobre os R$ 20 mil, mas, no Lucro Presumido e no Simples Nacional, o integrador paga imposto sobre o valor total da venda. Aí, temos uma bitributação.
É preciso se atentar ao regime praticado pela atividade e colocar isso no bolo todo. O serviço pode, por exemplo, ser centralizado em um CNPJ e a parte comercial em outro. São duas empresas com atividades distintas, mas nada impede isso.
Nessa situação, um cuidado é necessário: um sócio de uma empresa do Simples Nacional tem algumas vedações em relação a estar em uma sociedade de empresa enquadrada em outro regime tributário. É preciso, então, estudar essas vedações e analisar a soma dos faturamentos para não ter a empresa do Simples desenquadrada.
Sebrae – O que deve ser levado em consideração na hora de escolher um regime tributário?
Angélica – A escolha do regime tributário deve ser orientada pelo nível de organização e porte da empresa, além da viabilidade para que ela possa ter uma economia tributária.
Um planejamento, que é muito comum, é a escolha entre Simples Nacional e Lucro Presumido. Mas, não existe uma regra.
Uma empresa, por exemplo, precisa ser bem robusta e ter um faturamento expressivo para escolher o Lucro Real? Não. Há negócios que fazem esse planejamento tendo um lucro de R$ 500 mil por mês, que não é uma ordem de grandeza que justifique o Lucro Real, mas, nesse planejamento, mostra ser o melhor regime, trazendo, inclusive, uma economia tributária bem expressiva.
Não há uma receita de bolo. É preciso analisar operação, faturamento e, inclusive, o ano. Muitas vezes, um regime é mais benéfico em determinado ano e, no outro, pode não ser. Por isso, sempre fazemos um planejamento em outubro e novembro para definir a aplicação no ano seguinte.
Sebrae – Quais são os desafios desse processo de escolha de regime tributário para uma empresa de energia fotovoltaica?
Angélica – No Lucro Real, por exemplo, temos um desafio muito grande, porque, muitas vezes, ele pode até se mostrar o melhor regime tributário, com uma carga tributária menor em relação aos demais. Porém, o nível de organização que o Lucro Real exige de uma empresa é muito maior e nem todas estão aptas para fazer essa adesão.
Nem sempre a empresa tem um sistema operacional eficiente. Se eu mudo para Lucro Real ou Presumido, eu tenho uma obrigação básica e complexa, para as empresas de comércio, que é a transmissão de todas as informações de entrada e saída pelo sistema da empresa.
Então, se uma empresa sai do Simples Nacional para aderir a um desses dois regimes, isso exige dela um nível de organização muito grande. É preciso ter um sistema apto para gerar isso e uma pessoa para alimentá-lo.
Empresas de Lucro Real só abatem dos resultados as despesas que têm comprovação fiscal. Se eu sou uma padaria, por exemplo, compro morangos na esquina para uma torta e o dono da venda não fornece a nota, eu não posso entrar com isso como dedutível da minha despesa.
Dependendo do tipo de negócio, o regime tributário se torna benéfico, mas a operação complica, porque o empresário não consegue se adequar a esse regime. Daí, ele acaba perdendo essa economia tributária.
O nível de obrigações acessórias que precisam ser reportadas ao Fisco, nos âmbitos municipal, estadual e federal, é muito maior no Lucro Presumido e no Lucro Real. Consequentemente, os custos de contabilidade com esses dois regimes vão ser maiores, se comparados ao Simples Nacional. Aí, o empresário se vê nessa balança de ter uma economia considerável, mas ter um custo maior com outras esferas, como uma equipe jurídica e contábil.
Esses são os principais desafios e que, às vezes, desmotivam alguns empresários a aderir a esses dois regimes. Embora, em algumas situações, eles se mostrem mais benéficos.
Sebrae – Quais são os principais benefícios fiscais para uma empresa de energia fotovoltaica?
Angélica – Existem alguns benefícios fiscais importantes. Temos, por exemplo, a questão do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) para os kits fotovoltaicos. Isso trouxe um alívio no peso dos equipamentos, tanto para o cliente final, que investe, quanto para a própria atividade do integrador, que passa isso como um benefício.
Tem, também, a questão do Padis (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores). É um programa do governo para produtores de kits fotovoltaicos no Brasil.
Há pesquisas que mostram que a maioria dos kits fotovoltaicos são importados da China e a montagem não é feita no Brasil. A importação é feita, praticamente, no ponto de instalação e o benefício não se aplica para esse tipo de equipamento.
O Padis trouxe uma redução considerável na carga tributária de PIS, COFINS, imposto de renda e contribuição social, mas somente 5% do mercado pode usufruir disso, porque só essa fatia faz a produção dos painéis importando os equipamentos e fazendo a montagem aqui.
É um programa do governo que veio para estimular a produção interna e que pode trazer bons frutos no futuro, reduzindo ainda mais o preço dos kits fotovoltaicos.
Sebrae – Você tem falado sobre os regimes tributários, quais são os tipos praticados no país?
Angélica – Nós temos, hoje, três regimes tributários principais, que são praticados pela maioria das empresas no Brasil.
Um deles é o Simples Nacional, quando empresas que faturam até R$ 4,8 milhões optam por um regime unificado. Negócios que têm um faturamento maior do que esse valor não podem se enquadrar no Simples. Ele costuma ser mais benéfico para pequenas e médias empresas, que têm uma carga tributária menor.
Na sequência, temos o Lucro Presumido. O conceito básico dele é aplicar uma presunção sobre o faturamento. Então, nesse regime, não importa muito qual é a dimensão das despesas, uma vez que o imposto é recolhido com base nessa presunção. A relevância desse regime é o valor do faturamento.
E, depois, nós temos o Lucro Real, um regime geralmente praticado por empresas de grande porte. Inclusive, aquelas que têm um faturamento superior a R$ 78 milhões por ano não podem ser enquadradas em outro regime além desse.
Aqui, estamos falando de uma robustez maior de operação e de negócios que têm uma lucratividade menor. Isso porque temos a aplicação do imposto (imposto de renda, contribuição social e adicional) que incide sobre o resultado da operação. Se a empresa tem um lucro muito grande, aplica-se o imposto sobre ele.
Então, para uma empresa que fatura menos de R$ 78 milhões e tem uma lucratividade grande, com certeza, o Lucro Real não vai ser o melhor regime.
Além desses principais, não podemos deixar de mencionar, ainda, os MEI´s (Microempreendedores individuais), para as empresas que faturam até R$ 81 mil. Existe, inclusive, um estudo no Senado para aprovar a ampliação do faturamento para MEIs, porque muitas atividades acabaram sendo regulamentadas depois da possibilidade de enquadramento nessa categoria.
É um regime que vem crescendo e sendo praticado por muitos profissionais autônomos, com o intuito de regularizar as operações. Essas são as opções que temos no Brasil.
Sebrae – Existem dois regimes de apuração do imposto: Regime de Caixa e Regime de Competência. O que deve ser levado em consideração nessa definição?
Angélica – Há uma vedação: empresas do Lucro Real não podem optar pelo Regime de Caixa e de Competência. Essa é uma prerrogativa de empresas do Simples Nacional e do Lucro Presumido.
O Regime de Caixa vai ser mais vantajoso do que o Regime de Competência quando a empresa tem um fluxo de recebimento muito diferente do fluxo de faturamento.
Uma empresa de engenharia, por exemplo, faz um projeto para instalação de painéis fotovoltaicos. Ela fatura 100% da nota fiscal, mas o cliente só vai pagar em 30, 60 e 90 dias. Quando a empresa faz a opção pelo Regime de Caixa, ela pode ofertar a tributação no momento em que recebe os valores, não quando emite a nota fiscal.
Só que esse regime exige um nível de controle maior, porque a empresa não oferta a tributação pelo faturamento, onde bastaria pegar a relação de notas fiscais emitidas, apurar o imposto e emitir a guia.
No Regime de Caixa, a empresa tem que fornecer as datas de recebimento as quais as notas fiscais se referem para fazer a apuração do imposto a ser recolhido.
Apesar de ter esse nível de controle, o Regime de Caixa tem um benefício de prorrogação do recolhimento do imposto mais considerável, porque, algumas vezes, uma diferença mínima no fluxo de caixa de uma empresa quase se torna ponto de sobrevivência para ela, principalmente quando falamos de rentabilidades muito baixas.
Sebrae – Cercar-se de profissionais capacitados é uma forma de fazer uma boa escolha de regime tributário?
Angélica – Esse é o ponto principal. É muito interessante se conectar a uma equipe jurídica e de contabilidade, porque o integrador que está iniciando nesse segmento pode não ter conhecimento sobre questões tributárias.
O contato com uma contabilidade que entende do negócio permite ter acesso a todas as opções disponíveis no mercado e que possam ser praticadas.
Os integradores precisam, também, ter muita liberdade para conversar com os contadores, porque o mercado é muito amplo. A própria contabilidade pode trazer questões, por exemplo, sobre lançamentos de programas.
Com exceção do mercado financeiro, não existe outro mercado tão regulamentado no Brasil quanto o de energia. Sempre surgem novas leis ou cobranças. Então, estar conectado com profissionais do segmento, algo que o próprio Sebrae proporciona, é imprescindível.
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